O Globo: Isolamento social estimula atendimento médico à distância

Em entrevista ao jornal O Globo, o Dr. Bruno Ferrari, oncologista clínico, fundador e presidente do conselho de administração do Grupo Oncoclínicas falou sobre o atendimento via telemedicina e a importância da prática para manter a segurança do atendimento tanto para o paciente como também para os profissionais de saúde, cuidadores e familiares.
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Isolamento social estimula atendimento médico à distância
Desde novembro do ano passado, quando teve a confirmação do diagnóstico de um câncer no pescoço, Thiago Seba fazia ao menos uma consulta por mês com seus médicos, em Belo Horizonte. Em março, no início da quarentena em decorrência da chegada da epidemia do coronavírus ao Brasil, o policial rodoviário precisou rever as idas à clínica. Pacientes com câncer são considerados grupo de risco, e circular em uma unidade de saúde seria ficar mais exposto ao vírus. Seba começou, então, a ser atendido por meio de uma plataforma on-line.
A telemedicina atualmente responde por 30% das consultas de controle do Grupo Oncoclínicas, onde Thiago Seba se trata. A prática, segundo o oncologista Bruno Ferrari, presidente do conselho de administração do grupo, tornou-se fundamental para manter a segurança do atendimento durante a pandemia de Covid-19, não só para o paciente, mas também para os profissionais de saúde, cuidadores e familiares.
— Para chegar à clínica, o paciente percorre um caminho, passa muitas vezes por transporte público. Se a gente consegue fazer o atendimento com telemedicina, estamos inclusive frisando a importância do distanciamento social, além de, claro, manter o cuidado do paciente em dia numa situação de pandemia — afirma o oncologista. — É mais do que uma ferramenta de consulta online, permite também um engajamento maior do paciente, que se sente acolhido, com espaço para a troca remota de informações.
A telemedicina foi autorizada no Brasil em abril passado, por meio de uma lei sancionada em caráter emergencial pelo presidente Jair Bolsonaro. Segundo o texto, a prática — definida como “o exercício da medicina mediado por tecnologias para fins de assistência, pesquisa, prevenção de doenças e lesões e promoção de saúde” — fica liberada no país temporariamente, durante a pandemia. Antes da sanção da lei, o Ministério da Saúde já a havia autorizado, em março, por meio de uma portaria. O Conselho Federal de Medicina (CFM), por sua vez, lançou nota técnica à época também permitindo o recurso.
Até então, apenas uma resolução do CFM de 2002 tratava da telemedicina no país. Ela não previa as consultas à distância, já que o Código de Ética Médica dispõe que os profissionais não devem fazer prescrições sem exame presencial. Uma nova resolução foi formulada em 2018, mas acabou revogada. Com a pandemia e a lei, não só a teleconsulta mas também outras práticas da telemedicina, como as teleconferências e teleconsultorias, ganharam impulso no país.
No Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, o número de consultas à distância explodiu — passou de mil atendimentos em fevereiro para 22.300 em maio. Se no início da pandemia o que levava os pacientes a procurar o serviço eram sintomas do coronavírus, agora a procura se dá também por outros motivos, como as consultas de rotina em diferentes especialidades médicas, segundo Sidney Klajner, presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. O número de médicos do setor de telemedicina também catapultou: eram dez no início do ano e, agora, são 150.
O Einstein é um dos pioneiros no uso da tecnologia a serviço da medicina no país. Começou a implementar a comunicação virtual entre médicos em 2012, para amparar a emergência do Hospital Municipal Moysés Deutsch, conhecido como M’Boi Mirim, na Zona Sul de São Paulo. Klajner lembra que, à época, faltavam especialistas na emergência, e os plantonistas faziam conferências com os neurologistas do Einstein para discutir casos e tratamentos — o que mostra que a telemedicina vai além da consulta virtual entre médico e paciente.
— A partir daí, fomos criando outros programas, como um para atender pessoas em plataformas de petróleo. Casos extremamente simples como uma conjuntivite poderiam gerar um custo imenso para remover o paciente da plataforma e levá-lo ao continente. Na época, isso custava algo como 15 mil dólares, e conseguimos resolver com comunicação via satélite. De lá para cá, a tecnologia avançou muito, e a telemedicina pode ser uma agregada em outras modalidades de atendimento — completa Klajner.
Capacitação profissional
Ele cita o exemplo da TeleUTI, em que um especialista é “levado” até a UTI de hospitais (por meio da tela de um computador) para que médicos discutam casos graves. Antes da pandemia, conta o médico do Einstein, eram 180 os chamados leitos digitais, ou seja, assistidos à distância por médicos do hospital. Agora, são 540 leitos em 26 hospitais pelo Brasil.
— Funciona assim: um médico em Manaus que não tenha uma formação especializada pode discutir um caso de pneumonia por Covid-19 com um pneumologista do Einstein em São Paulo. Médicos fazem “visitas” diárias a esses leitos de UTI pelo país todo — explica Klajner. — Essa experiência foi documentada num hospital na cidade de Floriano, no Piauí, e a interação entre médicos locais e especialistas alterou a conduta em 70% dos casos. É um exemplo de como a telemedicina pode ser usada de diferentes formas, inclusive na capacitação profissional.
Autorização emergencial
Sancionada em 15 de abril de 2020, a lei 13.989/20 autorizou a telemedicina em caráter emergencial no país, “enquanto durar a crise ocasionada pelo coronavírus”.
A lei define a prática como “o exercício da medicina mediado por tecnologias para fins de assistência, pesquisa, prevenção de doenças e lesões e promoção de saúde”.
São autorizadas práticas não previstas pela resolução de 2002 do Conselho Federal de Medicina (CFM), como a teleconsulta, ou seja, o atendimento médico à distância, o telemonitoramento e a teleconferência.
De acordo com a lei, o médico deve informar ao paciente todas as limitações inerentes ao uso da telemedicina, sobretudo a impossibilidade de realização de exame físico durante a consulta.
A lei afirma ainda que o serviço de telemedicina deve seguir os padrões éticos usuais do atendimento presencial, inclusive em relação ao pagamento do serviço.