Valor Econômico: Artigo – O câncer e a covid-19

Em artigo exclusivo para o jornal Valor Econômico, o Dr. Bruno Ferrari, oncologista clínico, fundador e presidente do conselho de administração do Grupo Oncoclínicas, abordou os desafios que os pacientes oncológicos enfrentam durante a pandemia do coronavírus. O especialista destaca, entre outros pontos, a importância da aprovação de uma lei que assegure a entrada das medicações orais no rol da ANS tão logo sejam aprovadas pela Anvisa.
Confira o artigo na íntegra. A reportagem original pode ser acessada clicando aqui
O câncer e a covid-19
Nesta pandemia, o principal risco para o paciente, além do contágio do coronavírus, é a incapacidade de receber os serviços médicos necessários
Por Bruno Ferrari, Para o Valor
Considerada doença de emergência pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o câncer não espera, não dá trégua e nem negocia prazos. É a segunda doença que mais mata no mundo e no Brasil, depois das cardíacas, segundo a OMS. São 18 milhões de novos casos no mundo. Hoje, 43,8 milhões de pessoas vivem os cinco anos de prevalência do câncer e, dessas, 1,3 milhão está no Brasil. Com a pandemia de covid-19, o que já é difícil na vida de quem tem câncer se torna pior.
Desde o começo da crise mundial, instituições médicas e oncologistas têm sido desafiadas a criar novos protocolos de tratamentos. Com a tendência de “lockdown” em algumas regiões do Brasil, deve ser medida de urgência acelerar a inclusão de novas drogas orais contra o câncer no rol da Agência Nacional de Saúde (ANS), tanto para a cobertura dos planos de saúde quanto para o Sistema Único de Saúde (SUS). O paciente oncológico não pode esperar.
Tem sido constante o reforço nas medidas de segurança dentro dos ambientes médicos para proteger do risco de contágio do novo coronavírus os pacientes em tratamento ativo, mais vulneráveis à forma grave da doença.
A telemedicina desponta nesse arsenal, tanto no acompanhamento médico a distância quanto no controle de fluxos e pré-triagens para avaliações presenciais. As medicações orais contra o câncer são uma alternativa, em muitos casos, para reduzir a frequência das idas às clínicas e aos hospitais para tratamentos de quimioterapia.
Com essas medicações orais, o tratamento pode ser feito em casa, sem necessidade de deslocamentos regulares. Além disso, com a possibilidade de cidades entrarem em bloqueio total, os deslocamentos tendem a ficar ainda mais prejudicados.
No Brasil, poderíamos estar numa situação melhor na disponibilidade dessas drogas. São medicações largamente usadas em todo o mundo. Há uma série de remédios orais contra o câncer já aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas fora da lista de cobertura mínima de procedimentos da ANS, o que por si só é um absurdo.
Um projeto de lei para acabar com o rol da ANS e garantir a aprovação automática tramita na Câmara dos Deputados. O “Jornal Nacional” mostrou que, segundo a agência, o rol de procedimentos médicos está em processo de atualização e vários medicamentos para o câncer em análise devem ser incluídos para uso a partir de janeiro de 2021.
A iniciativa é boa, mas o prazo é longo demais. É preciso correr. Nem o câncer nem a covid-19 vão esperar até janeiro do ano que vem.
As autoridades devem redobrar a atenção para o grau de urgência dessa medida. Um terço das minhas pacientes com câncer de mama, por exemplo, estariam tomando drogas orais em vez de quimioterapia neste momento, se houvesse essa regulamentação. Na prática, são remédios que só podem ser cobertos pelos planos de saúde se entrarem no rol. Essa disponibilidade deveria se estender ao sistema público de saúde. É um direito de todos os pacientes. É um tema que precisa ser tratado em caráter de emergência.
Nesta pandemia, o principal risco para pacientes com câncer, além do contágio da covid-19, é a incapacidade de receberem os serviços médicos necessários, de exames de rotina e consultas médicas até a hospitalização e as cirurgias. Como médico, tenho preocupações com as interrupções nas cadeias de suprimentos e logística.
São 625 mil casos novos de câncer por ano no país, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca). Na luta contra a doença, o cenário da pandemia e de interrupção de consultas e exames de rotina agrava a batalha pelo diagnóstico precoce — o que é decisivo para as chances de cura. De acordo com um relatório do Institute for Human Data Science (IQVIA), que analisa tendências nos Estados Unidos, mais de 80 mil diagnósticos de cinco cânceres comuns podem ser perdidos ou adiados no início de junho devido à postergação dos cuidados preventivos com a saúde em consequência da pandemia.
As decisões sobre adiar ou não o tratamento contra o câncer precisam ser individualizadas, de acordo com o risco para o paciente e as circunstâncias. São decisões muitas vezes difíceis. Os atrasos podem levar à progressão do tumor e impactar os resultados dos tratamentos. Em um momento tão incerto, temos a dura certeza de que o câncer não espera.
Bruno Ferrari, oncologista clínico, fundador e presidente do conselho de administração do Grupo Oncoclínicas, com parceria exclusiva no Brasil do Dana Farber Cancer Institute, afiliado a Harvard Medical School