Como a saúde mental do paciente oncológico pode ser afetada
Quando uma pessoa recebe o diagnóstico de uma doença grave como o câncer, é natural se sentir triste, angustiada, ansiosa e ter outros sentimentos que a deixem desconfortável. A perda do mundo presumido, as dúvidas e incertezas com o futuro trazem um turbilhão de novos desafios e sensações aos pacientes e também aos familiares.
Aos poucos, essa sensação de estranhamento vai se organizando e se aprende a conviver com o tratamento oncológico e seus desafios. É comum sentir uma ambivalência – ora ficar alegre com o resultado de um exame, ora preocupado com o tratamento, por exemplo. Para a maioria dos pacientes, a regulação emocional acontece de maneira natural e sem a necessidade de uma intervenção mais direcionada.
Não temos controle sobre nossos sentimentos – logo, não é possível escolher como será a reação ao diagnóstico ou às diferentes etapas do tratamento. Mas é possível identificar as ferramentas emocionais para o enfrentamento das situações que se seguirão.
É importante lembrar que o adoecimento e seus desdobramentos são um processo de construção de uma nova rotina, com impactos nas diferentes esferas da vida. Não há uma maneira única de viver o câncer e seu tratamento oncológico, nem um modo correto. Cada paciente e cada família se organizará para enfrentar da melhor maneira possível o tratamento.
Porém, precisamos estar atentos às condições emocionais que podem afetar a saúde mental e podem acometer pacientes oncológicos desde o momento do diagnóstico ou em algum dos estágios do tratamento contra o câncer – antes de começar, durante as sessões e mesmo depois que elas já se encerraram, mas os retornos clínicos ainda são necessários.
Depressão, ansiedade, estresse, raiva e incertezas são os problemas de saúde mental mais recorrentes em quem está com câncer. A seguir, entenda cada um deles.
Depressão x câncer
A depressão é uma doença incapacitante que afeta entre 15% e 25% dos pacientes com câncer. Impacta homens e mulheres igualmente e tem efeitos negativos também sobre os familiares, amigos próximos e cuidadores, que precisam lidar com duas situações difíceis para dar o apoio necessário.
Se por si só a depressão já é um problema que exige atenção e cuidados especializados, associada ao câncer ela pode ser ainda mais complexa, pois pode dificultar o modo como o paciente lida com a doença e com o tratamento (em questões que podem parecer simples, como escolher uma modalidade de cuidado integrativo), pode estender períodos de hospitalização, reduzir a qualidade de vida e aumentar o risco de suicídio.
De toda forma, é importante destacar que o sentimento de tristeza é muito comum nos pacientes e familiares, e se sentir triste e angustiado é normal nesse período – estes sentimentos tendem a passar após algumas horas ou dias. A tristeza é normal, ao senti-la procuram-se meios para melhorar a sensação.
Na depressão há a sensação de estar paralisado. O paciente “disfuncionaliza”, o que significa que a depressão muitas vezes o impede de ter prazer em atividades que antes eram importantes, gerando um permanente estado de angústia, medo e pensamentos negativos por um longo período.
Por isso, identificar e tratar a depressão são partes importantes do tratamento contra o câncer. Os sintomas podem ser de leves a severos, sendo os mais comuns:
- Tristeza e desânimo profundos;
- Falta de esperança;
- Irritabilidade constante;
- Sentimento de vazio;
- Sentimento de desimportância;
- Perda de interesse em atividades que costumavam deixar a pessoa satisfeita;
- Crise de choro súbita;
- Afastar-se dos amigos e da família;
- Problemas de concentração;
- Dificuldade na tomada de decisões;
- Problemas de memória;
- Pensamentos negativos e autodestrutivos;
- Relutância em falar sobre os próprios sentimentos;
- Fadiga;
- Perda de apetite;
- Insônia (dificuldade para dormir e/ou ter uma boa noite de sono) ou hipersônia (sentir sono o tempo todo e não querer sair da cama); e
- Perda da libido.
Além do choque da notícia de estar com câncer e das dificuldades que podem surgir ao longo da luta contra a doença (efeitos colaterais dos medicamentos ou perda de musculatura e vigor físico que impacta na capacidade de trabalhar e se exercitar, por exemplo), fatores inerentes ao próprio tratamento podem levar à depressão. Tais como:
- Interrupção da produção e secreção de serotonina e dopamina;
- Efeitos colaterais dos medicamentos de quimioterapia;
- Dores não tratadas ou provenientes de cirurgias, quimioterapia ou radioterapia; e
- Problemas do sono causados por medicamentos do tratamento.
Ansiedade x câncer
Quando se fala em transtorno de ansiedade, não se trata daquela expectativa ou nervosismo normais enquanto se espera que algo aconteça, mas de uma desordem mental incapacitante que afeta cerca de 25% dos pacientes oncológicos e acomete homens e mulheres igualmente.
Esse distúrbio tende a ser mais prevalente antes do início dos tratamentos e em pessoas com câncer de pulmão, de cérebro e cânceres ginecológicos.
Os principais sintomas da ansiedade ligada ao câncer são:
- Manifestar muito medo do tratamento e de seus efeitos adversos;
- Preocupações excessivas em relação à perda de independência;
- Expressar continuamente o medo de morrer;
- Sensação de estar à parte das pessoas ao redor;
- Palpitações ou acelerações cardíacas sem motivo aparente;
- Mudanças na pressão arterial;
- Dores no peito sem motivo aparente;
- Respiração acelerada;
- Insônia;
- Dificuldade para se concentrar;
- Sensação de sufoco;
- Suor e tremedeiras;
- Tonturas;
- Náusea, diarreia;
- Mudança no apetite (perder totalmente a fome ou passar a comer o tempo todo); e
- Dores abdominais.
A ansiedade pode dificultar o tratamento contra o câncer, especialmente no que diz respeito a fazer escolhas relacionadas à saúde. Isso ocorre pelo medo de prejudicar a saúde e o tratamento, pela sensação de que é obrigatório ter certezas ou garantias de que se está no caminho certo, e essa insegurança é por si só ansiogênica. Por isso, é importante identificá-la e relatar os sintomas a um dos médicos tão logo os perceba.
Estresse x câncer
Estima-se que um a cada três pacientes oncológicos vivenciem momentos estressantes ao longo do tratamento. E não estamos falando daquele nervosismo comum com as tarefas do dia a dia, mas sim de uma desordem psicológica, causada pela resposta do organismo a situações extremas na vida de uma pessoa, que afeta os níveis hormonais e tem efeitos negativos sobre o organismo.
No caso dos pacientes com câncer, o estresse pode prejudicar a evolução das terapias empregadas na busca pela cura (pois a desregulação hormonal enfraquece o sistema imunológico) e diminui consideravelmente a qualidade de vida do paciente.
Diversos fatores desencadeiam o estresse nos pacientes com câncer, tais como:
- A pressão de continuar trabalhando mesmo com os possíveis efeitos adversos dos tratamentos;
- Não saber como lidar com a família (que muitas vezes está tão estressada quanto o paciente); e
- Problemas financeiros causados pela diminuição da carga de trabalho ou pela perda do emprego.
Qualquer que seja o motivo, vale ressaltar que não existem evidências de que o estresse, por si só, seja capaz de causar câncer.
Raiva x câncer
Embora não existam estatísticas sobre o número de pacientes com câncer que expressam raiva no momento do diagnóstico ou ao longo do tratamento contra a doença, esta é uma emoção comum nos consultórios e clínicas. Os motivos da manifestação da raiva podem ser vários, tais como:
- A chegada de um problema mais sério do que a pessoa esperava para sua vida;
- A forma como o câncer e seu tratamento mudam a rotina; e
- O modo como os familiares e amigos passam a lidar com o paciente (condescendência demais pode fazê-lo se sentir infantilizado ou relegado a um papel de “inútil”).
Em muitas famílias, a expressão da raiva é reprimida desde a infância, o que pode levar pacientes oncológicos a esconder esse sentimento. É importante deixar claro que sentir raiva é normal e que deixar de manifestar a insatisfação não vai fazer com que ela suma, além de poder tornar tudo muito mais difícil no tratamento.
A raiva reprimida pode levar a:
- Depressão;
- Transtorno de ansiedade;
- Dificuldade de comunicação (até mesmo de reações adversas do tratamento);
- Comportamentos autodestrutivos; e
- Abuso de álcool e/ou de drogas.
Que médicos devem orientar sobre saúde mental durante o tratamento de câncer
Se os sintomas de depressão, ansiedade, estresse e raiva durarem duas semanas ou mais, é importante procurar a ajuda de psiquiatras e psicólogos especializados em pacientes oncológicos, pois eles sabem como combinar terapias e, se necessário, medicamentos sem prejudicar o tratamento contra o câncer.
O médico oncologista normalmente tem colegas para indicar, assim como as boas clínicas especializadas possuem o serviço de psicologia com profissionais dedicados para esse cuidado.
Como cuidar da saúde mental durante o tratamento de câncer
A psico-oncologia pode ser a primeira abordagem às manifestações de insegurança, medo e nervosismo diante do diagnóstico e do tratamento de câncer.
Nela, o atendimento médico é complementado pelo trabalho de um psicólogo especializado em psico-oncologia, no sentido de auxiliar no enfrentamento e na criação de estratégias de autocuidado essenciais para manter a saúde mental durante o tratamento contra o câncer – e inclusive após o final dele, no período em que os retornos e os exames de controle do retorno da doença (recidiva) são necessários.
Se e quando confirmado o diagnóstico, saiba como cuidar de depressão, ansiedade, estresse e raiva relacionados ao câncer.
Depressão
A necessidade ou não de medicação para depressão será determinada por um profissional especializado (psiquiatra) após pelo menos uma consulta para identificação do problema e conhecimento do tratamento contra o câncer (para não haver risco de interação negativa com a medicação oncológica).
O tratamento medicamentoso não é a única alternativa para o cuidado com a saúde mental. Tratamento psiquiátrico associado ao tratamento psicoterápico tem apresentado bons resultados na melhora da qualidade de vida dos pacientes.
Recomenda-se manter uma rotina de terapia com psicólogo, psicoterapeuta ou psico-oncologista – eles fornecem as ferramentas para que o paciente consiga lidar com suas emoções e desenvolver um mecanismo para lidar com elas. A terapia de casal, de família ou em grupo (que inclui os amigos próximos e os cuidadores) também pode ser recomendada.
A melhora é gradual e varia de caso a caso. Para alguns pacientes, a sensação de melhora pode ser rápida, para outros pode levar mais tempo. É importante manter o acompanhamento regular com a equipe assistencial para avaliar o progresso do paciente e reavaliar a conduta clínica. Mais importante que o imediatismo é o acompanhamento médico: se não for notado um avanço na saúde mental do paciente, poderá ser delineada uma nova abordagem à depressão.
Ansiedade
A necessidade ou não de medicação para transtorno de ansiedade será determinada por um profissional especializado (psiquiatra) após pelo menos uma consulta para identificação do problema e conhecimento do tratamento contra o câncer (para não haver risco de interação negativa).
Além do uso de fármacos, a terapia conduzida por psicólogo, psicoterapeuta ou psico-oncologistas pode ajudar no quadro do paciente. Ela pode ser feita individualmente, em casal, em família ou em grupo (o que inclui amigos próximos e cuidadores), caso o profissional e o paciente sintam essa necessidade.
Atualmente, já é comprovado que técnicas de relaxamento apresentam muitos benefícios para pacientes oncológicos. Para a ansiedade também são efetivas técnicas de relaxamento feitas com o auxílio de um instrutor (preferencialmente) ou pelo paciente sozinho, tais como:
- Técnicas de respiração;
- Mindfulness;
- Meditação;
- Alongamento; e
- Ioga.
A melhora é gradual e varia de caso a caso. Para alguns pacientes, a sensação de melhor pode ser rápida, enquanto outros podem levar mais tempo para perceber os efeitos. É essencial manter o acompanhamento regular com a equipe assistencial para avaliar o progresso do paciente e reavaliar a conduta clínica, caso seja necessário.
Mais importante que o imediatismo é o acompanhamento médico: se não for notado um avanço na saúde mental do paciente, poderá ser delineada uma nova abordagem ao transtorno de ansiedade.
Estresse
O controle do estresse pode ser feito com acompanhamento médico ou individualmente pelo paciente. No último caso, é importante notar que há uma maior facilidade de lidar com o problema depois de passar por uma consulta com médico especializado, pois nela se aprende a dominar as ferramentas para lidar com as emoções.
Entre as necessidades do dia a dia para reduzir o estresse destacam-se:
- Controlar os compromissos do dia – usar um planner, a agenda do telefone ou um calendário online permite que seja dado a cada atividade o tempo necessário e que os compromissos sejam rearranjados de modo a não se sobrepor;
- Respeitar seus limites – se não houver energia, tempo ou interesse em algum compromisso, é completamente aceitável recusá-lo;
- Pedir ajuda – ninguém precisa ser responsável por tudo, muito menos durante um tratamento contra uma doença. Pedir ajuda para familiares, amigos e colegas de trabalho ajuda a reduzir as preocupações e, consequentemente, o risco de estresse;
- Concentrar-se no que é possível controlar – a reação a algo que fuja do controle pode ser o gatilho para uma crise de estresse; e
- Procurar ajuda financeira – se o problema for financeiro, pedir ajuda a pessoas próximas ou a um conselheiro de finanças pode aliviar – e muito – o estresse.
Já entre as técnicas incluídas no dia a dia para controlar o estresse é interessante pensar em:
- Exercitar-se regularmente – uma caminhada de 30 minutos por dia é suficiente para manter o corpo são e o estresse controlado;
- Sair de casa – olhar algo diferente das paredes da casa ou do apartamento dá uma arejada nas ideias e pode ajudar a reduzir o risco de estresse;
- Comer bem – manter uma dieta equilibrada e saudável fornece energia ao corpo, ajuda a minimizar os efeitos colaterais do tratamento e a reduzir o estresse;
- Dormir bem – descansar pelo menos sete horas por noite é essencial. Se possível, também é interessante tirar algumas sonecas ao longo do dia;
- Participar de um grupo de apoio – grupos de apoio a pacientes oncológicos costumam ser mediados por profissionais especializados e são um bom ambiente para desabafar, se sentir acolhido ao ouvir as histórias e vivências de outros pacientes, que podem ser parecidas com as suas, e colocar seus problemas em perspectiva;
- Incluir uma atividade relaxante à rotina – meia hora de jardinagem, leitura, ouvir música, cozinhar, pintar por dia. Não importa a atividade, o importante é ter esse tempo para concentrar-se em algo que não seja a doença nem os problemas do dia a dia; e
- Escrever um diário – colocar no papel ou na tela do computador suas emoções pode ser uma boa técnica para pessoas que não consigam ou não queiram expressar em voz alta o que estão sentindo.
- Técnicas de relaxamento, tais como mindfulness, meditação, alongamento e ioga também podem ajudar a controlar o estresse do paciente oncológico.
Raiva
Existem formas saudáveis de colocar a raiva para fora, que resultam em uma mudança positiva de vida e da forma de encarar a doença e o tratamento. Com o aconselhamento de um terapeuta, o paciente de câncer pode encontrar as origens de sua raiva e os gatilhos que fazem com que ela seja acionada, evitar comportamentos e hábitos destrutivos e aprender técnicas para lidar com ela (tais como escrever um diário ou praticar uma atividade física).
O profissional também é capaz de avaliar se há o risco de a raiva progredir para um quadro de depressão ou de transtorno de ansiedade e agir preventivamente para impedir que isso aconteça.