Comunicação em oncologia e bioética
A comunicação é uma competência que muda a percepção de uma situação para melhor (a boa notícia, que afasta um diagnóstico preocupante) ou para pior (a má notícia, que conscientiza sobre a crueldade de uma doença e as consequentes mudanças transitórias ou definitivas na qualidade de vida, incluindo ideias de aceleração em direção ao final de vida).
Conhecimento, habilidade e atitude – os três atributos da competência – são essenciais para que a emissão e a recepção de informações, dados e fatos de modo dialógico estejam alinhados com a moral, a ética e a legalidade. A tríade no campo da comunicação fortalece o termo conexão médico-paciente, fundamentalmente pelo sentido de respeito mútuo, a saber, respeito a si mesmo e ao outro e que admite capacidades de entrega e de acolhimento.
A comunicação no ecossistema da beira do leito beneficia-se pela máxima inclusão dos bióticos envolvidos e que representam profissionais da saúde, pacientes/familiares, gestores de sistema e de instituições de saúde. Há inúmeras dificuldades de entendimento em função dos distintos ângulos de visão articulados com os interesses. Um fio condutor de harmonia é a sinceridade, habitual essencialidade da comunicação médico-paciente-médico. Ocasionalmente, a comunicação não verbal-linguagem corporal fala mais alto e se torna a mensagem que melhor revela realidades.
A beira do leito tem um alfabeto próprio, que compõe formas infinitas de comunicação. Do lado profissional, as composições devem ter por denominador comum o exposto nos Art. 34 e 35 do Código de Ética Médica vigente:
É vedado ao médico deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal; bem como, exagerar a gravidade do diagnóstico ou do prognóstico.
Do lado do paciente, conteúdos de comunicação contemporâneos devem privilegiar a clássica anamnese e a expressão do direito à autonomia na figura do consentimento livre e esclarecido. A qualificação de uma notícia pode ser distinta entre interlocutores. Chegar a um diagnóstico pode representar, ao mesmo tempo, uma sensação de adversidade para o paciente e de satisfação profissional pela orientação terapêutica. O que parece ser duas circunstâncias distintas tende a se unificar no decorrer da trajetória clínica do atendimento, por uma conscientização, pelo paciente, dos aspectos tecnocientíficos, e, pelo médico, dos aspectos individuais humanos do paciente.
A evolução clínica que está sob real comprometimento bilateral tende a catalisar a comunicação na beira do leito. O médico logo aprende que palavras calculadas para servir a qualquer situação falham na ausência de ajustes estruturados caso a caso. O maior inimigo é o tempo quantitativo, razão para investir no tempo qualitativo, pelo domínio do alfabeto da beira do leito. Cenário e timing adequados e uma disposição para ouvir-se falar (evitar transformar o diálogo em monólogo) e para ouvir-se ouvir (evitar sair de sintonia nos momentos em que o paciente fala) concorrem para a boa relação entre eficiência comunicativa e desperdício de tempo.
Vale muito para o profissional da saúde conhecer o ensinamento da coach de comunicação Anett Grant, citada por Jung e Kyrillos, sobre a seguinte sucessão: alinhar com as preocupações do paciente, erguer uma ponte em direção ao olhar tecnocientífico e classificar objetivos e potencialidades de realização ponto a ponto coopera para esclarecer no seu maior sentido de clareza, vale dizer, a convicção (o quantum permitido pela ética) que provoca credibilidade.
Quando o médico sai da cena e paciente e familiares repercutem as notícias, é desejável que fique a sensação de objetividade nas mensagens, hierarquia de informações e atendimento às dúvidas. Um desafio!
A má notícia, com seu poder de frustrar expectativas que costuma afetar negativa e seriamente a visão do futuro, torna-se a pior notícia se mal comunicada. Vocalizada por iniciativa do médico, sempre um dever; nunca uma maldade, a má notícia requer estratégias de comunicação na área da saúde que objetivam evitar tanto a carência quanto o exagero na emissão/recepção.
Uma sequência estruturada objetiva considerar a informação reunida desde o paciente, a transmissão dos dados médicos, o suporte ao paciente e o estabelecimento do comprometimento do paciente com o planejamento das condutas. Em oncologia, o protocolo SPIKES exemplifica a noção de utilidade de passos sequentes fundamentados em preparação (tempo é fundamental), percepção (do já sabido pelo paciente), informação (se desejada pelo paciente), conhecimento (produzir esclarecimento), atenção à emoção (valor da empatia) e cooperação (caminhar junto ante as necessidades).
A doença oncológica, como sistema biológico que envolve tumor primário, remissões, metástases, traços genéticos e hábitos de vida, expressa a alta dimensão do poder da palavra da ciência sobre a rotina do paciente. Seus aspectos psicossociais sofrem influência do conceito arraigado de uma doença sem volta, apesar do panorama auspicioso proporcionado pelos sucessivos progressos da especialidade/disciplina em conhecimentos e capacitações.
Médicos e pacientes compartilham palavras de incerteza em oncologia. É preciso que elas contribuam para decisões que façam sentido numa situação plena de dilemas que, ao mesmo tempo, sinalize as limitações técnico-científicas da medicina – que fazem conviver benefícios nem sempre suficientes e malefícios muitas vezes excessivos – e alerte para a decorrente possibilidade de redirecionamento dos cuidados terapêuticos para paliativos.
A expressão do impacto da comunicação sobre o paciente é sensível a quanto as atitudes empregadas pelo médico – e equipe multiprofissional – se compõem às boas práticas para esclarecer ao leigo a medicina longe da perfeição. Porque é da inquietude profissional que o continuum de aperfeiçoamento dos métodos úteis e eficazes seja visto, comumente, como aquém do grau da segurança desejada; a promoção de esclarecimentos não pode dispensar a aclimatação humana do ser médico-ser paciente nem a harmonização às convenções ético-legais determinadas pela sociedade.
O oncologista alinha na literatura a experiência própria e a coletiva e utiliza passados clínicos análogos para prenunciar o futuro que pode vir a requerer desafios de aceitação de realidades desconfortáveis, o compromisso com a sobrevivência e a exigência de dignidade na morte.
Fortes emoções surgem em meio à autenticidade da verdade, à caridade da suavização possível e à compaixão de silêncios intervalados pela intenção do médico não ser indiferente à doença nem ao doente: uma unidade complexa de conflitos. Ansiedade, raiva, culpa, receio de mudança nos relacionamentos, afastamento de funções na família e no trabalho, perda da independência e preocupações financeiras combinam-se, provocam hesitações e acentuam óbices à capacidade de compreensão do paciente.
A qualidade da comunicação, especialmente no que se refere às más notícias, associa-se à grandeza da sintonia provocada. O desejo bilateral por ajustes de entendimento faz com que o dito possa ser redito e o que faltou possa ser acrescentado. Dessa forma, o continuum da informação, que é habitual para o oncologista e incomum para o paciente (surpreendido pelo diagnóstico e desdobramentos) resulta melhor reorganizado. A beira do leito ensina o quanto não se deve pretender predeterminações rígidas sobre atitudes em comunicação envolvendo o portador de moléstia oncológica. Há estilos na emissão e gradações de empatia e de repulsão na recepção que não são facilmente previsíveis.
Os médicos experientes colecionam sucessos e insucessos de esclarecimentos desejados. Eles compõem uma curva de aprendizado em serviço que ascende, sustentada por análises sistematizadas e periódicas dos fatos reais da comunicação e pela compreensão de peculiaridades sociais e culturais. Destaco um estudo brasileiro sobre oncologia, homenagem e incentivo para pesquisas: Primo e Garrafa buscaram dados da realidade brasileira há cerca de uma década. Eles aplicaram nove questões a 120 mulheres, distribuídas em ampla faixa etária (21 a 78 anos) com média jovem (40,3 anos), pretendendo avaliar a qualidade da comunicação sobre diagnóstico, tratamento e prognóstico de câncer genital ou de mama. Por meio de uma concepção descritivo-analítica de corte transversal, analisaram pacientes com doença maligna que estavam na fase de atendimento em ambulatório especializado de oncologia. Os autores mesclaram casos em fases avançadas (66,6%) e iniciais (33,3%) da doença oncológica.
As três questões sobre diagnóstico envolveram a primeira informação, subentendendo a pluralidade de sua consecução em múltiplos locais do encaminhamento do caso, a uniformidade da informação renovada num ambiente especializado e a perspectiva de contraposições de esclarecimento. O quarteto de questões sobre tratamento pretendeu conhecer o desejo de envolvimento com as opções pelo paciente, a sua compreensão das diferenças, a aptidão e o clima para a participação ativa na seleção.
As duas questões sobre prognóstico reforçaram o aspecto de adesão ao tratamento e aprofundamento do conhecimento sobre possibilidades evolutivas. Três questões resultaram com evidente superposição de respostas, todas elas referentes ao enunciado quer saber (83,3% e 83, 4% disseram sim, respectivamente, sobre opções de tratamento e sobre tudo da doença) e sabe (63,4% afirmaram estar cientes da progressão natural). Portanto, a pesquisa destacou que as mulheres envolvidas almejavam se sentir informadas sobre o desenvolvimento da moléstia.
Por outro lado, Primo e Garrafa evidenciaram uma heterogeneidade de respostas sobre o comportamento dos médicos, a assimilação pela paciente e a sensação de liberdade/competência para participar ativamente em tomada de decisão. Esses dados robustecem que, por mais que se possa valer da intuição na comunicação em saúde, devem ser desenvolvidos programas de treinamento com a finalidade da obtenção do maior grau de lucidez sobre essas variáveis, aplicável a um país continental e pluriétnico.
A bioética reforça o conceito de que as boas práticas em assuntos de saúde exigem eficiência na comunicação. O seu envolvimento interdisciplinar provê subsídios para que individualizações nas composições se resultem mais compreensivas sobre benefícios e malefícios. Ocorrendo mais entendimento racional, haverá menos preenchimento de lacunas por inaplicável analogia e indesejável imaginação. Facilita-se, assim, a deliberação perante a complexidade das decisões em oncologia.
Desse modo, a bioética valoriza o aprimoramento das derivações de diálogo para a melhor adaptação às partes envolvidas e dá forte sustentação à condução do caso, de acordo com maior ou menor aceitação do exercício da autonomia oferecido ao paciente e eventuais controvérsias na maneira de ver a tomada de decisão como negligência ou imprudência.
Primo e Garrafa, por sua análise do efeito da palavra sobre o que já aconteceu e sobre o que poderá acontecer em um grupo de pacientes com doença oncológica passível de impacção sobre a identidade feminina, trazem dados proveitosos para a construção da excelência em comunicação perante doença oncológica. É contribuição bem-vinda à harmonia do trinômio Ciência-Educação-Ser humano.